Por Vinícius Vieira
Formada em São Paulo, no ano de 2020, no auge da pandemia da Covid-19, a banda Maturí carrega em seu DNA o jazz fusion, referências afro-brasileiras e até mesmo linguagens musicais do norte da África, porém sem as amarras da complexidade que a maioria da música instrumental traz: “É muito importante pra gente fazer com que as pessoas escutem da primeira à última nota da nossa música, sem serem incomodadas ou se sentirem entediadas”, afirma Tony Karpa, baterista e fundador da banda Maturí, que hoje conta Maurício Zucarelli (guitarra), Gustavo Neves (contrabaixo) e Hélio Pisca (teclados e sintetizadores), além do apoio da musicista convidada, Sarah Rosa, na percussão.
O grupo lançou o primeiro single Beco dos Coco, gravado ao vivo no estúdio Family Mob (SP), e prepara para o dia 27 de outubro o lançamento do segundo single, À Esquerda.
A equipe do Seguimos Fortes esteve no ensaio da Maturí na Red Star Estúdios (SP), batendo um papo com a banda sobre a origem do projeto musical, as principais referências sonoras do grupo, além dos próximos passos do quarteto, principalmente sobre o EP Veneno do Veneno, que será lançado no início de 2024, via Clichê Records.
Como surgiu a Maturí?
Tony Karpa: Antes da Maturí surgir, eu tive experiências musicais individuais com cada um dos integrantes da banda, mas a ideia da banda em si começou no auge do lockdown causado pela Covid-19. Na época, eu morava em Presidente Altino (Osasco - SP) e eu estava fazendo um som em um domingo de lockdown em casa, com um outro conhecido meu. Após esse ensaio experimental, a minha namorada na época, hoje minha esposa e mãe da nossa filha, falou: “Poxa, gostei muito do que vocês fizeram. Por que não montam algo a respeito? Você nunca pensou em pegar esses arranjos e transformar isso em uma banda?”, na época eu estava tocando bateria com os Garotos Podres, mas eu já tinha essa vontade de montar uma banda experimental, só que eu não imaginava que seria em um momento tão próximo. Eu sempre achei que teria um trabalho de música instrumental a partir dos 45 anos de idade e agora eu estou com 39 anos [risos].
E qual a sua história com cada um dos músicos que fazem parte da Maturí hoje?
Tony Karpa: Eu sou aracajuano e lá no meu estado, no Sergipe, tem um festival chamado Rock Sertão. Em uma certa noite, lá em 2010, eu fui tocar neste evento com uma banda de hard rock chamada Mamute e a gente abriu para uma banda de Maceió chamada Mofo. A gente abriu o show e depois eu fiquei embaixo do palco vendo o baterista da Mofo montar e afinar a bateria de um jeito totalmente diferente. Quando ele começou a passar a bateria eu só fiquei “Uau, o que é isso?” Só que a gente está falando do cara chamado Hélio Pisca, naquela época ele era o baterista da Mofo e hoje ele é tecladista e um dos arranjadores e compositores da Maturí.
Já o Gustavo Neves, o nosso baixista, a gente trabalhava como sideman do guitarrista André Menck, fazendo tributo ao Jimi Hendrix e tocando outros clássicos do rock dos anos 60, 70 e 80. Eu ficava de cara com Gustavo, porque ele é um baixista que toca muito, mas ele joga tudo pro chão, sabe? Ele toca a música pela música, não pelo instrumento, pela técnica. Uma das bases muito sólidas dessa banda é a questão dos arranjos debaixo do Gustavo, que ele joga tudo pro chão. É virtuose? É! Mas é virtuose musical.
Quanto ao Maurício Zucarelli, o nosso guitarrista, eu estava fazendo o meu oitavo show como baterista dos Garotos Podres, e a fotógrafa do evento, a Patrícia Valenti, veio me perguntar se eu não poderia emprestar a estante da caixa da bateria para a banda de abertura, a Going Down, na qual o Maurício era guitarrista. Isso gerou uma amizade muito grande minha com a Patrícia e com o passar do tempo eu comecei a visitar a casa dela e do seu esposo, o Maurício. No ano retrasado, eu fiz o meu aniversário de 37 anos e convidei o Maurício para gente fazer um som lá durante o churrasco, e eu vendo ele tocar guitarra, logo pensei: “Espera aí, não é que esse cara tem algo a mais pra poder apresentar além do rock?”. Na época, o embrião da Maturí ensaiava com outro guitarrista, aquele do primeiro ensaio que tivemos na época do lockdown, mas por questões profissionais e pessoais, ele não conseguiu se manter na banda, e na mesma hora eu já pensei no Maurício que também aceitou o convite prontamente. A gente gravou as linhas de baixo e bateria, tudo com metrônomo, meio que mapeado para o Maurício e mandamos por áudio no WhatsApp. Duas semanas depois ele chega no ensaio com as músicas já tiradas, parecia que ele tinha composto as músicas com a gente.
E hoje nós contamos também com a Sarah Rosa na percussão, como musicista convidada.
Tem músicas da Maturí que conta com instrumentos de sopro. Quem foi o responsável pelas gravações?
Tony Karpa: Quem gravou os saxofones nas músicas foi o Chico Filho, grande musicista incrível. O cara chegou no primeiro ensaio já com tudo na mão. Inclusive, aquele solo final da música À Esquerda, é um petardo e, ao menos pra mim, faz uma correlação com a música Wax Simulacra da banda The Mars Volta, que eu sou muito fã. Então, sempre que a gente pode, a gente conta com instrumentos de sopro nas músicas e nos shows também.
Como vocês classificam a música da Maturí?
Tony Karpa: Não obrigatoriamente o fusion e o jazz, propriamente dito, porque aí a gente vai colocar a nossa música dentro de uma caixinha, mas a questão de um trip hop um pouco mais elaborado, com influências de música brasileira e do norte da África. Mas a matriz do negócio todo é fazer com que as pessoas consigam ouvir a música numa questão mais ambientalizada. Não o instrumento pelo instrumento, a técnica pela técnica ou o business pelo business, mas fazer com que as pessoas escutem da primeira à última nota sem serem incomodadas ou se sentirem entediadas. Inclusive, em todos os shows que a gente faz, sempre chega alguém falando que a gente conseguiu acessar com as nossas músicas vários setores sensoriais de cada pessoa, e eu estou falando de profissionais da área musical, desde o ramo da dança, da música e do business em si.
Isso deixa bem claro que a Maturí não é uma banda de músicos. Apesar de vocês serem músicos muito virtuosos, não é uma banda que vai mostrar a individualidade musical de cada um, mas uma banda que vai tocar apenas música. Correto?
Tony Karpa: Exato. A nossa individualidade musical está sendo representada no conjunto, no todo. Porque se a gente fosse pensar apenas na questão da virtuose, era melhor a gente se inscrever na Expomusic (feira de instrumentos musicais realizada anualmente em São Paulo), ir pra lá cada um na sua tenda e tocar. Aqui não é o caso, a gente usa a virtuose para uma ocasião, pelo menos pra mim, muito mais espiritual do que tecnicamente dito sabe? Fazer com que as pessoas consigam acessar gostos musicais de várias formas dentro das músicas da banda.
Como funciona o processo de composição das músicas da Maturí?
Gustavo Neves: É uma contribuição de todos. Geralmente o Tony chega com um fragmento, eu com um fragmento, o Hélio e o Maurício também, e a gente vai montando esse quebra-cabeça. Então é sempre um lance muito em conjunto e é até por isso que a gente não tem nada aparecendo demais, porque é sempre tudo pensado no coletivo.
Ao vivo vocês costumam prolongar as músicas, com muitas improvisações. Já chegaram a surgir ideias de novas músicas durante essas jams nos shows e nos ensaios?
Gustavo Neves: Sim, porque acabam aparecendo alguns temas, né? Tem alguma frase que você faz em um momento de improviso que você acha super legal, acaba guardando e depois fala assim: “Pô, lembra daquela frase que a gente fez? Lembra daquela virada? Ou de uma convenção que a gente fez e que saiu sem a gente combinar?”. Então, acontece. Às vezes a gente tá muito em sintonia, acaba rolando uma coisa junto ali que a gente não esperava e a gente acaba aguardando pra usar depois.
Hélio, você é um baterista e veio da escola do rock progressivo, integrando a banda Mofo, um dos maiores expoentes do gênero no país. Hoje na Maturí você toca teclado e sintetizadores, como é pra você essa transição, tanto de instrumento quanto de estilo musical?
Hélio Pisca: Eu sempre gostei de teclados e gosto muito de sintetizadores. Eu comecei a estudar piano há uns anos atrás porque eu sempre gostei muito também. Eu nunca tinha tocado em banda, eu já havia feito algumas tentativas de tocar com alguém, com o próprio Tony mesmo, toquei com ele antes de 2018. Então eu fiquei meio que nessa tentativa de tocar com alguém, porque tocar sozinho em casa, durante o estudo, é bem diferente de tocar com alguém, porque tem essa coisa de arrastar mais pra dentro da música, você tem que entrar no beat de cada um. Então o lance de tocar com a Maturí começou a abrir um pouco o meu leque de possibilidades com o teclado. Eu curto fazer essas coisas que eu venho fazendo, mas é tudo no campo experimental. O lance do progressivo vem um pouco nessas coisas que eu tento fazer, desse lance do fraseado, de trabalhar escalas e de fazer coisas em compassos quebrados. Geralmente, quem traz essas coisas de compassos quebrados nas músicas da Maturí são o Tony e o Gustavo, e eu estou tentando ir na deles, o que pra mim é uma grande escola, é ir ouvindo o que os caras fazem e tentar fazer o que eles querem que eu faça.
Já o Maurício Zucarelli veio da escola do metal e chegou a ter uma banda de hardcore, a Going Down. Hoje na Maturí, você usa pouquíssima distorção na guitarra e muitas vezes você faz uma base mais rítmica, enquanto o baixo e teclado fazem um fraseado mais “pesado”. Essa mudança sonora partiu de você ou é algo que a música da Maturí exige?
Maurício Zucarelli: Eu acho que a galera, às vezes, tem uma visão muito equivocada a meu respeito, que é sempre ligada ao rock e ao metal, muito porque eu gosto de ouvir o gênero e já toquei no começo da minha carreira como guitarrista. Mas a partir de 2008, mais ou menos, eu entrei numa onda de guitarra limpa e de aprender acordes, foi quando eu formei uma banda de samba rock e MPB. O que acontece é que por um acaso, em 2015, eu voltei a tocar rock, montei uma banda hardcore, a Going Down, e eu agradeço a esta banda por ter conhecido o Tony. Mas naquele período eu me senti muito limitado, porque eu já estava muito nessa pira de guitarra limpa, de acordes, de coisas mais complexas, dessas frases. Porém hoje eu me achei na Maturí, porque foi a oportunidade de voltar a tocar do jeito que eu gosto. Quando o Tony me falou que a Maturí tinha essa coisa da base ser rítmica, na hora eu falei “Pô, cara, eu quero tocar nessa banda aí. Vocês vão ter que dar um jeito de eu entrar nisso daí” [risos]. E é justamente o que eu faço aqui na banda, como o Hélio preenche legal essa parte de harmonia e fraseados, eu fico mais livre ainda pra fazer essa parte rítmica que eu gosto muito.
A Maturí já teve o percussionista Jorge Marciano como integrante e hoje conta com a participação de Sarah Rosa, como musicista convidada. Como tem sido a sua participação e contribuição com o grupo?
Sarah Rosa: Eu já tive outras bandas, mas nenhuma de música instrumental. A minha experiência com música instrumental foi quando eu era bem novinha tocando em fanfarra e orquestra, e depois eu só toquei com bandas de formação mais pop. Mas tocar com a Maturí está sendo desafiador, porque são músicas que eu não conheço, são propostas novas, mas o pessoal está me ajudando, então eu estou estudando, fazendo as minhas anotações aqui no caderninho [risos] e tentando pegar algumas referências, mas tá sendo muito gostoso, porque é muito fora do ambiente que eu vivo. Mesmo assim, temos as mesmas referências musicais, principalmente as referências afro-americanas e afro-brasileiras. Algumas outras referências são novidades pra mim, apesar de tocar há muito tempo com escola de samba e bloco de carnaval, que vem daí essa essa base rítmica toda, mas é outra vertente, outro caminho. Mas está sendo bem gostoso, porque eu tô tentando agregar o que eu já sei com o que eu estou tentando aprender
Recentemente, a Maturí fez uma apresentação junto com o Gilmar, do grupo de rap SNJ. Há possibilidades de fazer colaborações com outros artistas?
Sim, existe a possibilidade. Porque, na verdade, a gente busca fazer esse trabalho com a Maturí da forma mais plural possível, não é porque trabalhamos a questão da música instrumental que a gente vai ficar fechado apenas nela. Pode acontecer um dia da gente estar gravando alguma coisa e aparecer alguém querendo colocar uma rima ou um repente, não tem problema nenhum, há essa possibilidade porque a gente pensa na música como um todo.
Tony, você citou The Mars Volta como sua grande influência musical, assim como sabemos que o Hélio vem da escola do rock progressivo, enquanto o Maurício é um fã declarado de Metallica. Quais outros artistas fazem parte do caldeirão sonoro da Maturí, servindo até mesmo de bússola para que as pessoas possam se familizar com o som de vocês?
Tony Karpa: Aí a gente vai para os medalhões, para os dinossauros, Miles Davis e John Coltrane. Aqui para o Brasil a gente vai pra Gilberto Gil, Luiz Gonzaga, João Bosco, Clube da Esquina, a gente vai pra músicas que remetem às manifestações culturais, mais especificamente do nordeste, do norte do Brasil, até porque antes de qualquer coisa eu sou nordestino, sou preto e não tenho dinheiro no bolso, então nada mais justo do que pensar nas minhas referências, nas minhas raízes, uma vez que eu sou sergipano, eu tenho ritmos como parafusos, samba de pareia, samba de roda, caboclinho, sabe? Tem todas essas essas manifestações culturais no meu estado, quem dirá se a gente for pegar no âmbito Brasil? Se eu for pegar no âmbito latino, se eu for pegar no âmbito afro latino? Aí, meu amigo, haja pé pra marcar tempo no chão [risos].
No dia 27 de outubro vocês vão disponibilizar o segundo single da banda, À Esquerda. Como surgiu essa canção?
Gustavo Neves: Eu cheguei com a ideia de um tema, apresentei para o Tony, e na época a gente tava com outro guitarrista, foi o último ensaio que ele fez, inclusive. Fomos só nós três para o ensaio, eu apresentei a ideia e a gente começou a montar ali, a música não tinha nada do que ela é hoje, mas foi o nosso start. Depois o Hélio trouxe a contribuição dele também na parte da harmonia com sintetizador e tudo mais. Foi uma montagem meio progressiva.
Quais serão os próximos lançamentos da Maturí?
Maurício Zucarelli: Após o lançamento do single À Esquerda, nós teremos o lançamento do single Chão Rachado no dia 12 de dezembro, e depois teremos o lançamento de The Factory/Tuareg no dia 12 de janeiro, já preparando o terreno para o lançamento do EP Veneno do Veneno.
Tony Karpa: E temos disponível o single de Beco dos Coco, que nós gravamos ao vivo no estúdio Family Mob (SP) e aproveitamos a oportunidade e fizemos um videoclipe da música, filmado pelo Mateus Parisi (baterista da banda Dinohorse), e nós somos muito gratos à ele por ter feito essas imagens, ficou incrível.
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