Gabriel Thomaz e Érika Martins batem um papo com o Seguimos Fortes e revelam os bastidores do nono disco de estúdio da banda
Por Vinícius Vieira
Na última semana, o quarteto Autoramas lançou o seu nono álbum de estúdio, com o peculiar nome Autointitulado: “É o melhor título que um disco do Autoramas poderia ter, ‘Auto+intitulado’. Como não pensamos nisso antes?” afirma o vocalista, guitarrista, compositor e fundador da banda, Gabriel Thomaz.
Com a produção de Gabriel Thomaz, Alê Zastrás (que já havia trabalhado no álbum anterior da banda, Libido) e Jairo Fajersztajn, este último baixista da banda e proprietário do Estúdio Vegetal, no qual aconteceu as gravações de Autointitulado. O disco, que seria concluído e lançado em 2020, foi adiado diante da pandemia da Covid-19, que inclusive acometeu Gabriel Thomaz e também a vocalista Érika Martins. Com o projeto parado e diante da crise sanitária, econômica e moral na qual estava mergulhado o país, nasceram novas canções que completaram o repertório do álbum: “Por um lado, foi interessante porque a gente conseguiu compor novas músicas para entrar no disco”, relembra Érika. “A gente já tinha um repertório, mas aí vieram novas ideias, principalmente neste período em que todo mundo estava enclausurado”, completa.
Sobre o processo de composição do disco, as gravações no Estúdio Vegetal, o som barulhento da banda, a estreia de Jairo Fajersztajn como produtor, as gravações à distância de Érika Martins, além da parceria com o Rodrigo Lima (Dead Fish), que a dupla Gabriel Thomaz e Érika Martins bateram um papo com o Seguimos Fortes e você confere todo o resultado agora.
A Covid-19 e as gravações em Itatiba (SP) e na Bahia
O lançamento de Autointitulado estava previsto para 2020, mas como ele não pôde nem ser gravado por conta da pandemia do Covid-19, coube ao baixista Jairo Fajersztajn a missão de montar em sua casa em Itatiba, interior de São Paulo, um estúdio para a gravação do álbum, hoje batizado como Estúdio Vegetal. Para Gabriel Thomaz, seria errado afirmar que as gravações do 9º álbum da banda aconteceram nos moldes caseiros: “Os equipamentos que o Jairo tem lá são de nível de estúdio profissional. E o Alê Zastras também levou todo o equipamento que a gente já tinha feito tantas outras gravações, praticamente um estúdio móvel. Então não seria correto chamar de estúdio caseiro”.
Durante a concepção do novo álbum, a dupla Gabriel Thomaz e Érika Martins testaram positivo para Covid-19, inclusive Thomaz chegou a ficar internado por um período no hospital: “Eu e o Gabriel não queríamos que ninguém soubesse no início, porque passar pela situação da Covid é muito pesado, além de ter que lidar com a preocupação de todos, a gente não queria isso. A gente queria primeiro ficar bem e depois falar que a gente teve a doença”, salienta Érika Martins. Mas como, infelizmente, as coisas não ocorreram nestes moldes, com a própria vocalista afirmando que rolaram algumas circunstâncias que fugiram do controle, se tornando tudo, de certa forma, mais pesado para si própria, ela decidiu que era momento de voltar para a casa dos pais na Bahia: “Eu falei ‘cara eu preciso respirar, eu preciso da minha família, eu preciso ir pra Bahia’. Eu tinha que me encontrar de novo ali com as minhas origens. Isso foi maravilhoso pra mim”.
Com a Érika morando na Chapada Diamantina (BA), as gravações do novo disco aconteceram à distância, enquanto o instrumental da banda e as vozes de Gabriel Thomaz eram gravados no Estúdio Vegetal; Érika, por sua vez, gravou os seus vocais no Virgun's Studio: “Hoje em dia tem toda essa facilidade também. Então eu fiquei gravando as vozes daqui e mandando para os meninos lá no estúdio do Jairo”.
Repertório do disco
Das 12 músicas do Autointitulado, 10 já haviam sido lançadas como single antes mesmo do lançamento do álbum. A primeira versão de Eu Tive Uma Visão, totalmente acústica, foi lançada nas plataformas de streaming em junho de 2020. A versão definitiva, que viria a completar o disco, foi lançada no ano seguinte. Em julho de 2020, foi a vez de Boneco e Dinâmica de Bruto darem as caras ao mundo, ambas integrando o compacto em vinil lançado pela banda através do selo espanhol Family Spree. O disquinho ainda contava com um cover de I Wanna Be Your Man, de Lennon e McCartney, que acabou se tornando o primeiro single dos Rolling Stones, além de uma nova versão de Carinha Triste, grande hit do grupo lançado no primeiro disco do Autoramas: “A ideia inicial era fazer uma grande comemoração, em 2020, dos 20 anos do álbum Stress, Depressão e Síndrome do Pânico, mas por conta da pandemia, não rolou, porém regravamos Carinha Triste”, explica Gabriel Thomaz.
Em 2021 foram lançados os singles A Cara do Brasil e Sem Tempo, ambos em parceria com o Rodrigo Lima, vocalista do Dead Fish, além de Estupefaciante, Fauna Abisal, O Ritmo do Algoritmo e Dia da Marmota, esta última com letra de Érika Martins, no mesmo pique do filme Feitiço do Tempo (1993), no qual o personagem principal, interpretado por Bill Murray, vive o mesmo dia todos os dias: “Tudo começou com uma brincadeira minha de chamar o pessoal de ‘marmotinha’ nas redes sociais. Quando começamos a repensar o repertório do álbum durante a quarentena, eu lembrei dessa música e comentei com o Gabriel que eu tinha uma letra que eu havia escrito há um tempo e que tinha tudo a ver com o momento que a gente estava vivendo”, relembra a compositora, que gostou do resultado final de o Dia da Marmota, que acabou virando uma espécie de samba-rock repleto de fuzz na guitarra: “O Gabriel musicou a minha letra e pra mim é uma das melhores músicas do disco”.
Em 2022, poucas semanas antes do lançamento do disco, o single Nóias Normais veio ao mundo. E no dia do lançamento do disco, no dia 27 de janeiro, ainda fomos presenteados com o clipe de No Dope, gravado no Estúdio Vegetal, com direção e produção de Nacho Martin (Guantas).
O Som do Autointitulado
Desde Libido (2018), o penúltimo disco de estúdio do Autoramas, é perceptível que a banda vem apostando em uma produção mais aguda, alta e barulhenta. Para Gabriel Thomaz, essa sonoridade mais garage rock é uma forma da banda reproduzir no disco a energia dos palcos: “Nós sempre ouvimos das pessoas que o que a gente faz de melhor é tocar ao vivo. Pra falar a verdade, acho que desde do Desplugado (2009) que a gente tem se concentrado em tentar captar energia do show para o nosso disco”.
Gabriel ainda afirma que o padrão nacional de gravação e produção, utilizado nos primeiros discos da banda, distancia muito do que eles são de verdade: “Os discos anteriores do Autoramas tem coisa que eu considero muito distante da ideia inicial da nossa música. Acabava ficando muito limpo e sem energia. O Brasil tem um padrão de gravação e os nossos primeiros discos seguem esse padrão: limpo e com a voz mais alta que os instrumentos. Isso acabava ficando muito diferente do nosso show que era tão elogiado, o que era uma coisa um pouco frustrante pra mim, porque parecia que eu não estava conseguindo transmitir nos discos o que a banda tinha de melhor. E agora a gente tem tentado fazer isso. Eu nunca tinha curtido tanto uma gravação do Autoramas quanto essa do Autointitulado”.
“Jairinho”, o produtor
Com disco gravado em seu próprio estúdio domiciliar, o baixista Jairo Fajersztajn também assinou a produção do disco ao lado de Gabriel Thomaz e Alê Zastrás: “O Jairo entrou na produção porque ele trabalhou em todos os aspectos que são necessários para fazer um disco”, afirma Gabriel. “Ele sempre estava dando opinião e mostrando as possibilidades e tal. Então entrou o nome dele nos créditos como produtor. Eu achei importante fazer isso”, completa.
Já Érika Martins reconhece que Jairo, além de ter desempenhado um excelente trabalho como produtor, montou o estúdio já pensando em toda “Família Autoramas”: “O Jairo montou esse estúdio pensando no Autoramas, mas também no entorno do Autoramas. Trabalhando também com os projetos do Gabriel (Gabriel Thomaz Trio), nos meus projetos (Bruxas Exorcistas e carreira solo), nos projetos do Fábio Lima e em seus próprios projetos também”. Inclusive, Érika adiantou que muito material da sua carreira solo está sendo gravado no Estúdio Vegetal com a supervisão de Jairo: “A gravação do meu disco solo, eu tinha começado lá antes da pandemia, com duas músicas produzidas pelo Gabriel Thomaz, e agora eu chamei o Jairo para produzir junto comigo. Eu falei, ‘Jairo, vamos produzir juntos’. E quando eu estava em São Paulo, para fazer alguns shows com os Autoramas, o Jairo me falou, ‘você não quer gravar? Não está com as músicas aí?’ E realmente eu tinha finalizado algumas músicas na Bahia e aceitei super animada pra gravar também”.
Parceria com o Rodrigo Lima
Para muitos, o grande deleite do álbum foi as duas parcerias com Rodrigo Lima, vocalista do Dead Fish. Se para a maioria a tal junção entre o vocalista de hardcore melódico, com a banda de surf/garage rock, soou inusitada, para ambas as partes, que se conhecem há muito tempo, o encontro demorou pra ter acontecido: “Eu sou amigo do Rodrigo desde a primeira metade dos anos 1990. Me recordo dos shows do Little Quail and Mad Birds em Vitória e Vila Velha (ES). Inclusive ele estava no Festival Juntatribo, em 1994, e me deu uma demo tape do Dead Fish que eu tenho até hoje”, revela Gabriel Thomaz.
Em entrevista para o Seguimos Fortes, Rodrigo Lima confirma essa amizade com Gabriel Thomaz: “Provavelmente eu entreguei mesmo a demo do Dead Fish pra ele no Juntatribo, porque eu distribuí mais de cem demos naquela noite. Mas eu conheço o Gabriel desde o começo dos anos 1990. Só que ele era o cara que escrevia pro Raimundos e eu era só um moleque punk”.
A ideia para parceria entre os dois mundos aconteceu depois que o Gabriel assistiu pelo festival virtual In-Edit Brasil o documentário Punk The Capital: Building A Sound Movement, que conta a história da cena punk de Washington DC nos anos 1980, de bandas como Bad Brains, Teen Idles, Minor Threat, Dag Nasty, Government Issue, Half Japonese, entre outras: “Eu mandei mensagem de madrugada para o Rodrigo falando sobre o doc e comentei ‘Cara, aquelas música de um minuto de duração, que massa né?’, e na mesma hora eu sugeri ‘A gente podia fazer umas músicas de um minuto. O Jairo está montando o estúdio dele lá, a gente rapidinho a gente grava isso. O que você acha? Tem umas letrinhas curtas aí?’”, relembra Gabriel. Do outro lado da linha, Rodrigo aceitou o convite imediatamente: “O Gabriel Thomaz é um obcecado, um trabalhador da música. Ele falou, ‘Eu adoro essa coisa de um minuto, da gente lançar uma mensagem rápida, rasteira e profunda’. E eu aceitei na hora”.
Dessa conversa surgiram duas músicas: A Cara do Brasil, com um minuto cravado de duração, com letra e música do Gabriel Thomaz; e Sem Tempo, com letra do Rodrigo Lima: “Eu escrevi como se estivesse escrevendo uma música para o Autoramas. Com frases mais curtas, mais rimas e uma dinâmica de vocal mais ampla e menos gritada”, afirma Rodrigo, que também revela que precisou moldar o seu jeito de cantar para encaixar na proposta musical do Autoramas: “Eu tentei me encaixar um pouco na forma como o Gabriel canta, porque é muito diverso e diferente a forma com que ele faz os versos dele. Eu lembro que durante a gravação, lá no estúdio do Jairo, ele falou assim ‘Bota aí essa sua voz de emo nervosão’ e a gente ficou dando risada”.
Os dois singles foram lançados em 2021 e a princípio ficariam de fora do Autointitulado, mas a recepção do público foi tão boa, que elas acabaram entrando no disco. Mas o que ninguém sabia, até agora, é que uma terceira música foi gravada nesta sessão Autoramas + Rodrigo Lima, sendo essa uma composição de Álvaro Dutra, parceiro de Rodrigo Lima nas letras no último disco de estúdio do Dead Fish, Ponto Cego (2019): “Gravamos mais uma música. Essa com letra do Álvaro que é meu amigão lá de Brasília, meu conterrâneo, ele era super fã do Little Quail. Então a gente acabou gravando essas três músicas”, revela Gabriel Thomaz. Enquanto Rodrigo Lima não só confirma a informação como também revela o nome da música inédita: “O Álvaro Dutra foi gravar comigo lá no estúdio e ele conversou muito com o Gabriel sobre gravar uma música também. Ele fez a mesma coisa que eu fiz, pensou em fazer uma letra para o estilo do Autoramas. A música é bem interessante, é bem diferentona, não é tão melódica assim. Se eu não me engano o título dela é Troglomitos. Eu gostei de ter gravado essa música”.
E assim vai se desenhando o Futuro dos Autoramas.
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